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14 de dezembro de 2010

A Feira

Antropólogos, sociólogos, psicólogos e muitos outros ‘ólogos’ têm estudado a natureza humana há muitos séculos. Tratados, livros, ensaios e artigos já foram feitos sobre o tema, sempre buscando compreender de maneira mais profunda a essência do homem. Infelizmente, não se chegou ainda a uma teoria definitiva sobre quem é o homem realmente.

Bla, bla, bla. Garanto pra você que se qualquer um desses ‘ólogos’ fosse à feira, ele entenderia tudo o que se precisa entender sobre a humanidade. No último sábado, fui à feira com minha esposa. Nunca tinha sequer pisado em um lugar como aquele, onde se vende de tudo o que se pode imaginar. Frutas, legumes, verduras, galinhas (vivas e mortas), patos, pastel, caldo de cana, cachaça, temperos, queijos, mel e por aí vai. Na feira tem de tudo um pouco. E naqueles poucos minutos em que estive naquela sucursal do Hades, tive um insight sobre a natureza do homem. E que insight.

Na feira, você vê o que o ditado “se o pirão é pouco, primeiro o meu” (você conhece esse ditado? Aprendi esses dias) quer realmente dizer. Imagine a seguinte cena: uma barraca que vende tomates já está com seu estoque quase no final. Duas senhoras analisam o que restou e pegam ao mesmo tempo um tomate. A senhora pode soltar este tomate? Não, eu vi primeiro. Sim, mas eu que peguei. Não, eu que peguei. Discussão. O dono da barraca pede calma. Nem eu nem ela, pensa uma das mulheres, e amassa o bonito tomate. Assim funcionam as coisas na feira.


O espírito de competição é algo completamente palpável na feira. Você caminha por todas as barracas procurando um preço bom, até encontrar o pacote de quiabo mais barato. Você compra por um cruzado. Depois, quando não está mais procurando, encontra mais barato. E você sente aquela sensação de derrota, de “fui enganado”, de “perdi o jogo”. Por causa de alguns centavos.

Na feira todo mundo é seu amigo e seu rival. Você entra em uma barraca, analisa com cuidado os produtos, e o senhor do seu lado diz que aqui tem umas coisas boas, mas naquela barraca ali não tem nada que preste. Você sorri daquele jeito, sabe?, quando você não quer conversar e nem ser rude com a pessoa. É, aqui as coisas estão bonitas. O velho dá uma volta e vai parar na barraca onde nada presta. Curioso, primeiro dá conselhos valiosos, depois te passa a perna e vai comprar em outro lugar.

Ali, em meio às verduras e as frutas, entre um abacaxi e a taioba, você entende quem o homem realmente é. Competitivo, invejoso, exibido, astuto, burro, esperto, lento, malandro. Todas as nuances existentes na alma humana se encontram em um só lugar, uma vez por semana, por um curto espaço de tempo, algo comparável apenas aos alinhamentos galácticos mais complexos do universo: este lugar é a feira.

1 de dezembro de 2010

Needtobreathe - Garden

Pra tirar a poeira do blog, resolvi postar essa belíssima canção que descobri ontem. Chama-se "Garden", da excelente banda Needtobreathe. Os caras tocam um country rock alto nível, com arranjos fantásticos e uma interpretação de dar arrepios (no bom sentido) do vocalista Bear Rinehart. O que mais gostei no Needtobreathe foi justamente essa parte de interpretação, dá para ver que eles realmente acreditam naquilo que cantam. Sensacional!



Este vídeo é de uma participação dos 'frentes' da banda, os irmãos Bear e Bo Rinehart, em um programa de rádio. A música fala sobre a passagem bíblica de Jesus no Getsêmani.

8 de outubro de 2010

O deus da riqueza

De tempos em tempos, as igrejas evangélicas entram numas “modas” que invariavelmente acabam roubando, ainda que indiretamente (e até sem querer), a verdadeira essência do evangelho. Houve a época em que todo mundo era apaixonado por Deus – usando esse termo mesmo, “paixão” -, onde nove entre dez músicas de artistas cristãos falavam sobre estar apaixonado por Deus. Houve a época da batalha espiritual, onde tudo era culpa de demônios, tudo era influência maligna e era preciso passar por um processo bem complexo de “libertação e cura”. De uns tempos para cá, vivemos o evangelho da riqueza.
Primeiro, gostaria de dizer que não me oponho à riqueza. Pelo contrário. Seria hipocrisia dizer que não quero ser rico. Todo mundo quer. O que me incomoda é que o que tem sido pregado em muitas igrejas (e não só em igrejas, mas também na televisão, por grandes “líderes” de denominações) é que ser cristão é um passo certo para a riqueza. O que tem sido pregado hoje em dia é a teologia do “plantar para colher”, do “Deus quer te abençoar”, da “oferta de fé”, sempre com foco para a mudança rápida de padrão de vida daquele que resolve doar.

A igreja está cheia de mendigos pedindo esmolas para Deus

Sou cristão há pouco tempo, mas nunca concordei com esta visão de que Deus deseja tornar seu povo rico. Isto não é bíblico. Bom, pelo menos não me lembro de ter lido nada do tipo na bíblia. Há na bíblia referências à prosperidade? Sem dúvidas! Abraão tinha muitas terras, Jó foi o cara mais rico de sua época, José foi governador do Egito... Mas não há, em nenhum trecho das escrituras, algo como “... e Deus olhou para o seu povo e resolveu dar-lhe terras, gado, ouro, prata e pedras preciosas”.
A pessoa que busca riqueza em Deus está querendo muito pouco. Se alguém acha que isso é tudo que Deus pode oferecer, me desculpe, mas não é. Sem querer ofender a fé de ninguém – mas defendendo a minha -, penso que ter uma vida espiritual que foque apenas nas coisas deste mundo é uma tremenda perda de tempo. Se a bíblia me diz para não me preocupar em juntar riquezas na terra, mas no céu, e eu só me preocupo com o que posso ter aqui, estou fazendo algo errado, não? Mas se dar uma oferta de mil reais, dois mil, acreditando que Deus vai devolver sete, dez, vinte vezes mais é o máximo de sua fé nas bênçãos de Deus, está na hora de entender quem realmente Deus é e o que ele realmente pode fazer.
Para quem não acredita em Deus, é fácil e cômodo apontar o dedo para os evangélicos por causa desta questão financeira. Muita besteira é dita e feita em nome de Deus, mas que na verdade só visa o enriquecimento de algumas (poucas pessoas). Mas o que essas pessoas provavelmente não sabem (e não creem, provavelmente) é que Deus liberta, Deus cura, Deus ama. E é nesse amor que creio e por ele dedico minha vida a Deus. E é por causa desse amor que me recuso a servir a Deus esperando um carrão ou uma mansão como pagamento. Nesse deus (com ‘d’ minúsculo mesmo) cujo único mérito é distribuir dinheiro eu não creio, nunca vou crer e sinceramente tenho pena de quem crê.


* Este texto foi totalmente influenciado pelo ótimo post “Minha Declaração de Apostasia”, escrito pelo Rafael, do blog Escrito em Geez.            

23 de setembro de 2010

A Saúde na República das Bananas

Por meu pai ser servidor público federal, sempre tive plano de saúde. E é importante destacar que posso ser considerado um heavy user de plano de saúde. Tenho úlcera no duodeno, cinco graus de escoliose pra esquerda e constantes dores na lombar. Coisa de velho, eu sei. Pois bem, nos últimos três meses meu orçamento apertado não me permitiu mais pagar 190 reais por mês no meu plano de saúde. Assim, tive de entrar no nada seleto e gigantesco grupo dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde, o temido SUS.

Bom, pra você que não sabe, o primeiro passo para ser atendido pelo SUS em qualquer hospital público do país é este: vá até algum lugar designado pela secretaria municipal de Saúde com uma cópia de seus documentos e faça sua carteirinha. É uma carteirinha bem roots mesmo, de papelzinho e sem plástico. Depois que a sua carteirinha estiver pronta – depende de quantas pessoas estão fazendo isso ao mesmo tempo, a minha demorou uns 20 minutos -, o próximo passo é procurar um posto de saúde ou um hospital para conseguir uma consulta. Aí, amigo, a coisa começa a complicar.


Se você for a um posto de saúde (meu caso, mas em hospitais às vezes é até pior), prepare-se para dois cenários: ou você chega por volta de seis da manhã e consegue um lugar razoável na fila (note o uso de “razoável”, pois tem gente que chega na fila às quatro da matina), ou você vai a hora que der e desmarca os compromissos da semana toda. Ou ainda uma terceira hipótese: descole um contato quente no posto de saúde. Um médico amigo da família, aquele chefe dos enfermeiros que namora um primo seu, sei lá. Tendo o contato, as coisas ficam menos difíceis. Acordei às seis da manhã, cheguei no posto às sete e, olha que coisa linda, encontrei um médico que é da minha igreja. Pedi a ele a indicação para um exame, ele me deu e pensei “beleza, moleza”. Ledo e ivo engano. O exame que preciso fazer, uma ressonância magnética na bacia, só é marcado no primeiro dia útil de cada mês. Como em 1º de outubro estarei em viagem de lua de mel, só poderia marcá-lo no primeiro dia útil de novembro. Maravilha, não?

Agora fico imaginando a situação daquela senhora com reumatismo, gota e catarata que chega na fila às cinco da manhã apoiada numa bengala, fica três horas esperando ser atendida e tem seu exame marcado para dali a 20 dias. É fato conhecido e notório que o funcionalismo público no Brasil, de maneira geral, é uma vergonha. As pessoas atendem ao público como se estivessem prestando um grande favor à humanidade. Assim, o paciente que realmente precisa de atendimento fica à mercê da boa vontade de médicos, enfermeiros e auxiliares que trabalham de má-vontade.


Se o exame for um pouco mais “complicado” (leia-se “caro”), como uma ressonância magnética, uma tomografia ou algo semelhante, a burocracia é ainda maior. Ah, meu senhor, tem que pegar o laudo do médico, anexar ao pedido do exame, dar entrada no pedido e esperar até 60 dias úteis. E o pobre senhor, até lá, morreu. A saúde pública aqui na República das Bananas é uma vergonha completa. Depender do SUS é dar o primeiro passo para a morte.

6 de setembro de 2010

Caminho das Mãos Vazias

Tem gente que gosta de futebol. Todo o tempo livre que possui, reúne os amigos e vai jogar
uma pelada. Também gosto de bater uma bolinha com os parceiros, mas confesso que não levo
muito jeito para isso. De vez em quando faço um gol, acerto um bom passe e até driblo
alguém, mas no geral sou só mais um em campo. Tudo bem, isso não me incomoda. Nunca tive
pretensões de ser um jogador profissional, e para o meu lazer, minha habilidade (ou falta
dela) me basta. Conheço gente que é apaixonada por outros esportes, como corrida – um
vereador conhecido meu corre em média 12 km por dia, e ele tem quase 50 anos -, tênis e
basquete. Eu, porém, amo karatê.
O karatê é uma arte marcial desenvolvida no Japão no século XIX (mas que se tornou
reconhecido como arte marcial alguns anos antes da Segunda Guerra Mundial). O significado de
“karate-do”, o nome original da luta, é “caminha das mãos vazias”, mostrando que armas não
são necessárias para uma autodefesa eficiente. Baseado em socos, chutes e combinações disso
(envolvendo, ocasionalmente, joelhos e cotovelos), o karatê é a arte marcial com mais
adeptos no mundo, tendo na França seu maior expoente atual. Pode-se dizer que em
competições, a França está para o karatê assim como a Espanha está para o futebol.
Minha paixão por esta luta começou na minha infância, quando tinha oito anos. Um belo dia
estava indo para a escola quando um pivete tentou roubar meu precioso boné do Mario Bros.
Inocente, reagi, apanhando bastante do menino. Meu pai, revoltado com isto, me matriculou
numa academia de karatê do estilo kyokushin, considerado um dos mais brutos. O tempo passou
e, por circunstâncias diversas, acabei abandonando o esporte. Recentemente, porém, por
influência de amigos, resolvi voltar a treinar – desta vez em outro estilo, o tradicional
shotokan.


O que mais me atrai no karatê não é exatamente a parte visual, apesar de gostar muito desses
golpes mais elaborados, como chutes altos e as combinações de golpes. O que me interessa
mesmo é a parte “filosófica”, se podemos chamar assim. Disciplina, respeito, autocontrole,
tudo isso faz parte da arte marcial de forma tão profunda que é difícil separar um do outro.
E é isso que eu estava precisando, de algo que me desse segurança física suficiente para uma
emergência e também disciplina mental.
Muitos amigos meus questionam minha preferência pelo karatê, falando que outras formas de
luta (como muay thai e jiu jistsu) são muito mais eficientes para situações reais de briga.
Minha resposta é simples: nem todo mundo pratica uma arte marcial para brigar na rua. Aliás,
arrisco-me a dizer que uma minoria usa o que aprende para brigar. Meu compromisso com o
karatê é o do autoconhecimento e do autodesenvolvimento. Conhecer meus limites e batalhar
para superá-los, é isso que o karatê me ensina. E nas palavras do mestre Funakoshi, criador
do estilo Shotokan, “Alguém cujo espírito e força mental se fortaleceram através das lutas
com uma atitude de nunca desanimar não deve encontrar dificuldades em enfrentar nenhum
desafio, por maior que ele seja. Alguém que suportou longos anos de sofrimento físico e
agonia mental para aprender um soco ou um chute deve ter condições de encarar qualquer
tarefa, por mais difícil que ela seja, e de executá-la até o fim. Sem dúvida nenhuma, uma
pessoa com essas características aprendeu verdadeiramente o Karatê-Dô”.

30 de agosto de 2010

A Falácia do Crescimento

Quando o assunto a ser debatido é política, certamente os ânimos se acirram. As pessoas leem a política de formas diferentes. Enquanto para alguns as coisas vão bem, para outros está tudo errado. Política é assim. Assim como muitos – infelizmente não posso dizer todos, porque ainda existe gente que pensa “política não é pra mim” -, tenho as minhas convicções sobre o assunto, e tento defendê-las sempre que o assunto surge.
Na última sexta-feira, dia 27 de agosto de 2010 (estou especificando a data caso alguém venha a ler este texto muito tempo depois), tive a oportunidade de entrevistar a juíza eleitora de Itaperuna, Dra. Sheila Draxler. O objetivo da entrevista era falar sobre a propaganda eleitoral nas ruas da cidade, algumas normas para a divulgação de candidatos em veículos de mídia e a fiscalização disso. Apenas isso. No entanto, a conversa fluiu com certa facilidade e, em certo ponto, o assunto era a administração atual do país.
Conversando sobre determinados expedientes do Governo que achamos questionáveis, chegamos a um ponto da conversa que me deixou feliz e que serve de título para este texto: a falácia promovida pela liderança do Brasil para mostrar um falso crescimento. Digo que fiquei feliz porque saber que uma juíza, alguém que certamente possui muito mais instrução e conhecimento político e legislativo que eu, compartilha do mesmo ponto de vista que eu. A falácia, no caso, se refere a algumas estatísticas divulgadas pelo Governo sobre Educação e alfabetização, entre outros.


Segundo a juíza, um verdadeiro absurdo é a aprovação automática de alunos nas escolas públicas. Nas palavras da própria, “a educação vai piorar muito com esta medida. O aluno não sabe escrever, não sabe fazer cálculos e mesmo assim passa de série. Nas estatísticas, o ensino vai bem, porque o nível de reprovação vai quase a zero. Mas e a qualidade desse ensino? Ou será que só vale a quantidade de alunos aprovados? Como juíza eleitoral, tenho a oportunidade de aplicar provas de conhecimento a candidatos, para saber seu nível de escolaridade. Recebi candidatos que não sabem nem escrever a palavra ‘constituição’, então imagine se uma pessoa dessas poderá conhecer a Constituição Federal”. E assim acontece com a questão da alfabetização. A pessoa aprende a escrever seu nome, seu endereço e é considerada alfabetizada. Não sabe mais nada, mas nos números o analfabetismo diminui mês após mês.
Sobre o processo eleitoral, Dra. Sheila foi mais clara ainda: “as pessoas trocam seus votos por migalhas. Um saco de cimento, um telhado, até por dinheiro. Existem pessoas que trocam seus votos por promessas de melhorias que já são dever do político. Por exemplo: o político chega no bairro e vê que ali não tem asfalto. Ele promete asfaltar, e assim consegue muitos votos. Mas é obrigação dele fazer isso, o eleitor não tem que trocar o seu voto por algo que o político deve fazer. Aliás, ele não tem que trocar seu voto por nada”.
Longe de mim entrar em questões mais profundas, mas tenho que concordar que o assistencialismo puro e simples, como é feito pelo Governo, não surte os resultados desejados. Falam em acabar com a miséria, mas a que custo? Criando uma geração de pessoas que se aproveitam de benefícios para não trabalhar? Esta é uma questão séria, que envolve uma série de fatores que sinceramente desconheço. Mas o questionamento fica.

24 de agosto de 2010

Diálogo Sobre a Objetividade

- Teu texto é pouco objetivo.
- Como assim, “pouco objetivo”?
- Pouco objetivo, ora. Não possui objetividade.
- Isso eu entendi. O que eu não entendi é por que ele é pouco objetivo.
- Porque ele dá muitas voltas, sai do assunto toda hora, é metido a engraçadinho...
- Mas é uma crônica!
- Não interessa.
- [suspiro profundo]
- Não te ensinaram a ir direto ao ponto na faculdade?
- [em voz baixa] Pelo menos eu terminei a faculdade...
- O quê?!
- Nada. Olha só, as crônicas geralmente são assim, abordam o assunto em pauta de outra maneira, geralmente com toques de humor, mas não obrigatoriamente.
- Eu sei o que é crônica, muito obrigado.
- Tem certeza?
- Além de ter pouca objetividade, teu texto não tem graça.
- Mas eu sou jornalista, não humorista!
- Pois é, mas não foi tu mesmo que me disse que crônica tem toques de humor?
- É, mas toque de humor é uma coisa, palhaçada é outra!
- Mas não tem nem toque, nem peteleco, nem um humorzinho de raspão nesse texto.
- [suspiro profundo]
- E outra coisa. Muita palavra repetida.
- Muita palav... Criatura, como assim, “muita palavra repetida”?
- Tu tá surdo hoje? Muita palavra repetida, significa que tu usou muitas vezes a mesma palavra.
- Já te ocorreu que isso pode ser intencional?
- E pra que tu iria repetir uma palavra de propósito?
- [suspiro] Pra reforçar uma idéia, pra fortalecer um argumento, pra manter o assunto no foco que eu desejo mostrar ao leitor.
- Faz outro.
- Mas a minha coluna sai amanhã! O jornal vai pra gráfica daqui a duas horas!
- Pois é. Faz outro.
- Como é que eu vou escrever um texto de meia página em menos de duas horas?
- Te vira. Ou tu escreve isso logo, ou eu coloco um texto do Luis.
- Peraí, não precisa ameaçar. Tô indo.

30 de julho de 2010

Sobre Rafael Mascarenhas e a Hipocrisia

Volta e meia somos bombardeados com notícias cujo único objetivo é o de nos comover. Foi assim com Isabela Nardoni, foi assim um pouco antes, com o menino João Hélio (aquele que foi arrastado por vários quilômetros pendurado em um carro) e parece que tem sido assim com a morte de Rafael Mascarenhas, filho da atriz/apresentadora Cissa Guimarães.
Não me entenda mal, deve ser uma coisa realmente triste perder um filho. Mas, ao contrário do que aconteceu nos casos anteriores, a morte de Rafael não foi nada assim de tão chocante. Foi um acidente de trânsito, coisa que acontece em qualquer cidade a qualquer hora do dia ou da noite. E como muitos acidentes, neste a vítima também teve sua parcela de culpa – o túnel estava fechado, ou seja, não se poderia passar por ele de forma alguma, nem de skate.
Assim sendo, qual o motivo de tamanha cobertura da mídia neste caso? Seria Cissa Guimarães uma pessoa assim tão querida do público que uma desgraça em sua vida interessaria às massas? Como disse antes, acidentes de trânsito acontecem dia e noite, com milhares de vítimas por ano. O filho da atriz/apresentadora foi apenas mais uma vítima. No entanto, fizeram uma passeata em homenagem ao garoto, com faixas o chamando de “anjo”.
Isso me lembra de uma cena do premiado filme “Tropa de Elite”. Em determinado momento, o aspirante André invade uma passeata feita em homenagem a duas pessoas mortas por traficantes – pessoas estas que eram diretamente ligadas ao tráfico de drogas, vale ressaltar – e bate em um jovem, que havia dito aos traficantes a localização de outro aspirante do BOPE, fazendo com que este fosse morto. O locutor da cena, o já lendário Capitão Nascimento, diz que ninguém faz passeata quando morre um policial cumprindo seu dever. Quando morre alguém abastado, no entanto, brada-se “paz” aos quatro cantos da Terra.
No mesmo período em que a mídia cobriu a morte de Rafael Mascarenhas, inclusive seu velório, seu enterro e a missa de sétimo dia, muitas pessoas morreram. Uma mulher foi morta com quatro tiros por seu ex-namorado doentio, no interior de São Paulo. Certamente muitas outras pessoas morreram no trânsito das grandes cidades. Dezenas de pessoas morreram em atentados no Oriente Médio. Caiu um avião no Paquistão, morreram 152 pessoas. Mesmo assim, só ouvimos falar do filho da Cissa Guimarães. Será que a Cissa Guimarães é tão queria assim? Haveria a mesma cobertura se morresse o filho da Joyce Ribeiro, apresentadora de um programa no SBT? Creio que não.
Não sou daqueles radicais que odeiam a Rede Globo, mas somos todos, em maior ou menor escala, reféns de sua hipócrita defesa à elite, especialmente a carioca. Pouco se ouve falar de desgraças ocorridas em outros estados, mas se algo de ruim acontece na zona sul do Rio de Janeiro, tenha certeza de que dois helicópteros, cinco repórteres e doze câmeras da emissora estarão lá para nos “informar” dos mínimos detalhes. O filho de um grande executivo da Rede Brasil Sul (RBS, afiliada da TV Globo nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul) está sendo acusado de estuprar uma menor de idade e eu fiquei sabendo disso pela Record, claro. A Globo nunca iria denunciar que alguém tão notório cometeu um crime. Mas o Rafael Mascarenhas, esse sim não sai do noticiário.

23 de julho de 2010

Velhos Tempos

Quando eu tinha oito anos de idade, a vida era boa. Treinava meu karatê descompromissado, ia para a escola, jogava videogame, assistia televisão e, de vez em quando, dava um passeio ou outro com meu pai. Não, quando eu tinha doze anos é que a vida era boa. Ia para a escola, assistia televisão, jogava videogame... Não, espera, quando eu tinha 15 anos é que a vida começou a ficar boa: comecei a sair à noite com meus primos e amigos mais velhos, aprender música, ver televisão, jogar videogame, escola. Dezoito anos. Com 18 anos é que a vida era boa. Faculdade, vida noturna intensa, banda, trabalho, televisão, videogame.
Uma tendência natural que nós, pessoas humanas (adoro esse pleonasmo), temos é o de achar que o que passou era melhor do que o que estamos fazendo/vivendo/presenciando. Quem nunca ouviu e/ou falou algo como “na minha época é que era bom”? Alguns, inclusive, dão aquela entonação arrogantemente superior a essa frase, como se o fato de alguma coisa ser nova já a desabonasse logo de cara. Música, cinema, arquitetura, comida e principalmente comportamento... Em tudo isso, é possível dizer que algo já foi melhor um dia.
"Na minha época é que os telefones eram bons"
Prestando atenção aqui e ali – este, aliás, é um passatempo que carrego comigo há muitos anos, o de identificar minúcias da vida alheia e tentar tirar algo interessante disso -, percebo que muita gente não consegue reconhecer os méritos de algo enquanto o está vivendo. A tendência natural é dar valor ao que já passou, pois já vimos seus prós, seus contras, suas consequências... Mas, ao fazer isso, abrimos mão do que pode ser até mais valioso do que o que já passou: aproveitar o passeio. Sabe aquela história de que o que vale na viagem não é a chegada, mas a própria viagem, o percurso? É isso.
Sentir saudade de boas experiências é normal e até saudável, arrisco. Prejudicial mesmo é deixar de aproveitar a vida por achar que nada nunca será tão bom quanto um dia foi. Um exemplo bobo disso aconteceu comigo. Adorava comprar roupas em uma loja. Quando essa loja fechou, me senti órfão. Um dia, resolvi entrar em outra porque gostei de alguma coisa na vitrine, mas bateu aquela sensação de que nada ali seria tão bom quanto era na outra. Fui embora sem comprar nada.
Quando eu era criança, a vida era boa. Claro que era. Não tinha preocupações além de tirar boas notas na escola. Na minha adolescência, a vida era muito boa. Conheci muita coisa nesse mundo e vi que nem tudo é o que parece ser. Quando virei adulto, a vida também era boa. Os cabelos estão indo embora, é verdade, mas a vida continua boa. Embora reconhecer isso durante a jornada seja um pouco complicado (outra especialidade deste que vos escreve é a de perceber mais o lado negativo do que o positivo das coisas), o negócio é continuar tentando prestar atenção na viagem e esquecer um pouco o resto.   

9 de julho de 2010

Sobre Bruno e o Cristianismo

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer algo importante aqui: esse texto não é, de forma alguma, sobre o goleiro Bruno. Ele será citado daqui a pouco? Sim, será. Mas o protagonista desta crônica não é o ex-guarda-redes do Flamengo. O verdadeiro foco aqui somos eu e você (talvez não nessa ordem) e o Cristianismo em que creio e procuro viver.
Um dos argumentos mais utilizados por quem critica o Cristianismo praticado hoje em dia é o de que se fala uma coisa, mas vive-se outra. O grande problema desse ponto de vista é a generalização. Conheço cristãos que se doam de tal maneira que dá até vergonha de ficar perto, como um pastor amigo meu que fez uma tremenda mobilização para arrecadar recursos para reconstruir igrejas no Haiti ou um músico, também amigo meu, que junta uma turma de amigos depois do futebolzinho e leva alimentos e cobertores para mendigos nas ruas. Existem as maçãs podres? Claro! Como em qualquer lugar, na igreja também há pessoas que fingem, mentem, fazem fofoca... É triste, mas é verdade.


E o que isso tem a ver com o caso do goleiro Bruno? Muita coisa. Se ele é culpado ou não, a justiça dirá. O que preocupa é o fato de que vemos pessoas que não são policiais, advogados ou juízes, e que já têm até a sentença do caso na ponta da língua. Simplificar o caso chamando o atleta de “monstro”, “assassino” e outros adjetivos amáveis do tipo é conveniente, pois nos dá a falsa sensação de que somos pessoas melhores que ele.
A Bíblia diz que nós não devemos julgar ninguém, pois seremos julgados com a mesma medida. Ao julgar Bruno, apontamos nele algo de perverso que existe em todos nós, sem exceção. A natureza do homem é corrompida, para usar uma palavra amena. Aí você pensa “eu nunca [e enche a boca para dizer o nunca, com ênfase] mataria uma pessoa” ou “eu nunca teria um filho fora do casamento” – se colocando na posição de ser superior e impecável. Sobre isso, a Bíblia dá uma aula de humildade: o apóstolo Paulo, autor de 13 livros do Novo Testamento, sujeito que foi perseguido, humilhado e preso por causa do Cristianismo, diz que ele era o pior dos pecadores. Se Paulo era o pior dos pecadores, o que sou eu, então? Tem que inventar uma nova categoria...
Ao julgar Bruno, temos a satisfação perversa de apontar o erro do outro, na esperança de que o nosso próprio seja esquecido. Talvez você realmente nunca chegue a matar alguém. Talvez você nunca seja infiel no casamento. Mas você poderia afirmar, com 100% de certeza, que nunca mataria alguém? Em uma situação de emergência, para proteger alguém da família, para salvar a própria vida, você afirma com certeza que não seria capaz de tirar a vida de alguma pessoa? Eu não conseguiria fazer tal afirmação. Não porque acredite que tenha tendências violentas ou algo do tipo, mas porque entendo que a maldade, infelizmente, é algo inerente ao ser humano, e que essa maldade pode, cedo ou tarde, vir à tona.

1 de julho de 2010

A Fonte Secou?

 O ruim de gostar de escrever – e querer viver disso – é que mais cedo ou mais tarde as ideias acabam. Talvez “acabar” não seja o termo exato. A figura que mais se aproxima do que quero dizer é a de uma torneira que, mesmo aberta, só libera poucas gotas de água. Os mais cultos chamariam isso de “bloqueio criativo”. Concordo com a definição. Parece que alguém pegou sua criatividade e deu um tapa na cara dela, ameaçando-a caso queira se manifestar novamente.
Há alguns anos, posso dizer que tinha bastante inspiração. Escrevi crônicas quase todos os dias (o que não quer dizer que elas eram boas, apenas que elas existiam). Hoje em dia, no entanto, simplesmente não funciona mais assim. Não tenho mais insights, não tenho mais ideias, não tenho mais nem vontade de sentar à frente do computador para escrever. Quer dizer, vontade eu tenho, e muita. Mas não rola.


Junte isso a um defeito praticamente incurável que carrego desde cedo – a competitividade extrema – e você tem aí a fórmula da frustração. Explicando: ao mesmo tempo em que não consigo achar inspiração suficiente para escrever bons textos e meu tão sonhado livro, vejo pessoas se dando muito bem justamente na área em que mais desejo crescer. E aí o ego fica balançado, mesmo a gente não querendo admitir. “Por que fulano está se dando bem desse jeito?”. E por aí vai. O que mais me aflige, no entanto, é a possibilidade de essa fase não ser um simples bloqueio criativo, e sim algo mais grave, como uma “esterilidade criativa”. E se esse monte de stress da vida adulta tiver simplesmente feito a fonte secar? E se eu virei escravo da rotina e não conseguir, nunca mais, criar nada de interessante? Reparando bem, nem um riffzinho de baixo eu fiz esse ano ainda... Socorro!

24 de junho de 2010

Haiti - Final

Bom, tem quase dois meses que cheguei do Haiti. Passei pouco tempo lá, mas foram dias extremamente intensos. Agora entendo o que esse pessoal que participa só da primeira semana do Big Brother quer dizer quando diz que “essa semana pareceu um ano”. Por menos tempo que você tenha passado em alguma situação diferente do que você está acostumado, esse tempo sempre será marcante.
Tirar você da sua realidade e colocar em outra completamente diferente é algo que deixa, sim, marcas profundas. Não tem um só dia que eu não lembre do tempo que passei em Port-au-Prince, das conversas com as pessoas que conheci – brasileiros e haitianos -, das cenas quase cinematográficas que presenciei naquele lugar. O Haiti é um outro mundo, um outro universo, completamente diferente do que qualquer coisa que eu já tivesse visto antes.
A pobreza lá excede os padrões que jamais imaginei. As pessoas simplesmente não têm nada. Não há comida, não há emprego, não há dinheiro (exceto com os estrangeiros, ou com os poucos haitianos que conseguem algum trabalho), não há higiene. Aliás, a higiene é um assunto à parte aqui. Para quem vive nos camps, aqueles acampamentos gigantes onde todo mundo mora em barracas, qualquer lugar é banheiro. Tive a oportunidade de passar uma tarde e uma noite em um lugar desses, dormindo em uma tenda com outras seis pessoas. Quando perguntei a nosso intérprete onde poderia urinar, ele simplesmente abriu os braços e disse: “É só escolher o lugar, meu amigo. Qualquer lugar, exceto dentro da barraca”. E ele não estava brincando, infelizmente.


Mas de tudo o que aprendi nessa viagem, a lição mais preciosa que veio comigo na mochila foi a gratidão. Sabe quando você está naquelas fases em que nada parece dar certo, que parece que Deus não está olhando pra você? Fui pra lá assim. E voltei de lá com outra visão de vida. Voltei mais grato por tudo o que tenho. Ando de bicicleta porque não tenho carro nem moto. Às vezes reclamo, porque é muito cansativo andar pra lá e pra cá de bicicleta. Mas, assim que reclamo, lembro que conheci pessoas que dariam tudo o que têm para ter uma bicicleta, e a insatisfação passa.


Aprendi, lá, o que é crer em Deus de verdade. Muita gente que conheço (inclusive eu, às vezes) reclama de Deus porque não tem aquele emprego que gostaria, ou o carro dos sonhos, ou isso ou aquilo. Meus amigos haitianos prestam cultos a Deus todos os dias porque estão vivos. Porque entendem que Deus os sustenta, mesmo que a comida não seja abundante. Porque têm alguma roupa para vestir, mesmo que já tenha sido usada por alguém antes. E principalmente porque acreditam que Deus, apesar de qualquer situação, está sempre no controle.
Ao povo do Haiti, tenho a mais profunda gratidão por todas as lições que me ensinaram. Sou uma pessoa diferente – melhor, espero – depois dessa experiência. Conheci pessoas fantásticas, espero ter feito amizades sinceras e peço a Deus que me dê a oportunidade de retornar a Port-au-Prince para abraçar novamente meus amigos Emannuel, Jean Baptiste, Civil, Vijonet e Ezequiel.

31 de maio de 2010

Haiti - Dia 02

Acordamos antes das seis da manhã. Não sei como é essa questão do sono para você, mas pra mim isso é um problema. Sofri de insônia por alguns anos, então quando consigo dormir, prezo muito por esse tempo. No Haiti, abri mão do conforto do sono. Aliás, abri mão do conforto, ponto. Não existe conforto no Haiti. Pense você que nós ficamos em um lugar bom, numa casa considerada de classe média alta, e ainda assim dormimos todos na varanda da casa, debaixo de lonas, em sacos de dormir da espessura de um bife de hambúrguer. Bom, voltando ao assunto, acordamos antes das seis da manhã.
Comemos uma deliciosa macarronada no café da manhã, devidamente temperada com o que o haitiano mais usa em sua cozinha: pimenta. Macarronada apimentada com banana frita e suco no café da manhã. Nessa hora, as equipes já estavam se preparando, cada uma para seguir para a sua tarefa. Fiquei na equipe médica. Juntamos as malas com os medicamentos e os equipamentos, entramos no ônibus escolar que nos servia de transporte e partimos para um dos bairros mais pobres da capital, Tabas.

Esse era o nosso transporte por lá: um ônibus escolar

Nosso objetivo, nesse primeiro dia de atendimentos médicos, era atender aproximadamente 100 pessoas, entre crianças e adultos, no orfanato organizado pelo pastor Winslet Methenis em sua própria casa. Antes do terremoto, o pastor cuidava de pouco mais de dez crianças. Após a catástrofe, o número subiu para quase 50. Montamos nossa estrutura sob uma lona daquelas de exército, que protegem bastante da chuva. Se tivesse chovido naquele dia, a lona seria útil. No entanto, o calor de 42 graus só transformou a tenda num forno. O dia foi tenso, pois não sabíamos direito o que iríamos encontrar por lá. O haitiano, em geral, não tem noção de organização. Para ele, o que interessa é o aqui e o agora. Depois, se vê o que faz. Com a comida é assim, com as roupas é assim, e infelizmente foi assim com o atendimento médico. Por mais que nos esforçássemos para manter a ordem e organizar filas, eles simplesmente não entendiam que todos seriam atendidos. Todos têm a mentalidade do “eu primeiro”, o que dificultou um pouco as coisas. Chegamos no orfanato pouco depois das nove horas e saímos às quatro da tarde, após 120 atendimentos. Exaustos, voltamos para nossa base, a casa do pastor Demero.


À noite, participamos de mais um culto. A pregação ficou por conta do pastor Osmundo, de Campinas (SP), que botou o povo literalmente pra marchar. Foi engraçado e abençoador, apesar de eu estar tão cansado que quase não consegui me manter acordado. Tive uma ótima conversa com o Roni, de São José dos Campos (SP), sobre diversos aspectos da vida cristã. O que mais me chamou a atenção foi que, para ele, a viagem estava servindo para uma coisa, enquanto para mim, para outra. E isso pude notar: cada um estava ali por um motivo diferente. No entanto, uma coisa era comum a todos: independente de qual era a tarefa a ser desempenhada, todos estavam ali com a convicção de que nosso trabalho estava fazendo a diferença na vida de algumas pessoas. E essa era a melhor recompensa de todas.

26 de maio de 2010

As camisas das 32 seleções da Copa

á que faltam poucos dias para o início da Copa do Mundo de futebol, eis aí as camisas oficiais de todas as seleções que irão disputar o mundial. Algumas estão bonitas, outras, nem tanto. Começando pelo Grupo A, da anfitriã África do Sul. Deixe aí sua opinião.


Grupo B
Grupo C
Grupo D
Grupo E
Grupo F
Grupo G
Grupo H

12 de maio de 2010

Haiti - Dia 01

Chegamos ao Panamá por volta de 09h30min (horário local, 11h30min no horário de Brasília). Foi um voo longo e desconfortável para mim, pois fui sentado na poltrona do meio, tendo do meu lado direito o pastor Mário Freitas (que, apesar de já ter emagrecido um bocado por causa da cirurgia, ainda ocupa um espaço legal) e do esquerdo um senhor sem o menor escrúpulo de colocar um travesseiro encostado na minha orelha. Não consegui dormir direito e cheguei ao Panamá bastante cansado. Mesmo assim, a excitação pela viagem havia me dominado de tal maneira que saí a passear pelo Aeroporto Internacional Tocumen.
Em um saguão próximo ao nosso portão de embarque, tivemos uma reunião com a equipe completa. Nesse momento, o Pr. Mário dividiu as equipes, deu as orientações necessárias e nos inseriu no contexto cultural haitiano. Aprendemos algumas características do Haiti, entendemos (na medida do possível) como deveríamos proceder com as pessoas e, acima de tudo, ouvimos que deveríamos comer tudo daquilo que nos fosse oferecido. E isso não é só sobre comida.
Partimos para Port-au-Prince às 12h (para facilitar, toda vez que aparecer um horário de agora em diante, será no horário do Haiti, ou seja, duas horas a menos do que no Brasil) e chegamos lá por volta de 14h30min. Logo de cara, já notamos um pequeno sinal do terremoto: uma enorme rachadura na fachada do Aeroporto Internacional Toussaint Louverture. Do lado de dentro do aeroporto, uma banda recebia os visitantes tocando um ritmo caribenho que nem me arrisco a dizer o nome. Exótico, se você precisa de um adjetivo.
Um fato sobre a chegada no Haiti: é praticamente impossível sair do aeroporto sem gastar algum dinheiro. O portão do desembarque internacional fica abarrotado de gente tentando carregar as bagagens dos viajantes até o carro para conseguir algum trocado. Mesmo com o auxílio do pastor Vijonet Demero, nosso anfitrião no país, foi difícil chegar até os carros que nos esperavam sem gritar para algumas pessoas que não era necessário pegar nossas malas. Junte isso a um calor quase saariano e você terá um bom retrato do que é a primeira impressão geral de Port-au-Prince.
Fomos muito bem recebidos pelos membros da igreja do pastor Demero, um tipo de carinho com o qual não estou acostumado. Confesso, fiquei emocionado. Depois de breves apresentações, fomos levados por uma van para testemunhar o que o terremoto de magnitude Richter 7 fez na capital do Haiti. Aqui, desculpe, não há palavras que
descrevam com fidelidade o que senti vendo tudo aquilo. Essa foto é apenas um exemplo da triste realidade haitiana.


Voltamos para a casa do pastor e o que vimos foi, talvez, mais surpreendente do que a destruição da cidade: um dos cultos mais animados que já vi na vida. As pessoas cantavam e dançavam com tanta alegria que foi impossível não entrar no clima. Uma aula do que é ser verdadeiramente feliz com Deus. Apesar de não entender uma palavra de criolle, a língua oficial do Haiti, senti algo muito especial naquele culto. Ali, muita coisa começou a mudar dentro de mim. De novo, não há como descrever isso.
Quando o culto terminou, fomos jantar. Salada de repolho com cenoura, frango frito e banana frita. A salada é, basicamente, pimenta com um pouquinho de repolho em cima. Queimei até a parte externa da boca. O frango, nem arrisquei. A banana, sabe-se lá como, fica salgada e muito crocante. Gostei. Depois do rango, arrumamos nossos sacos de dormir/colchonetes na varanda – como muitas estruturas foram danificadas no país, pouca gente arrisca dormir dentro das construções – e dormimos. Estava tão cansado que nem vi a chuva que caiu durante a noite. Graças a Deus pelas lonas que cobriam a varanda.

5 de maio de 2010

Haiti - Dia 00

É impossível começar a escrever sobre o tempo que passei no Haiti sem contar um pouco do que aconteceu no dia 0, ou seja, no dia anterior à viagem. Sem alguns eventos que aconteceram nesse dia, talvez outros não tivessem ocorrido nos sete dias posteriores.
Saí de Itaperuna no dia 18 de abril, um domingo, às 16:20, na primeira etapa da viagem. Foram pouco menos de duas horas até chegar a Campos dos Goytacazes, onde esperei por mais duas horas até chegar o ônibus para a capital paulista. Embarquei às 20 horas, tomei um remedinho contra enjoo e só acordei em Resende, último município fluminense antes de chegar ao estado de São Paulo. Desci, comi alguma coisa – salvo engano, foi um croissant de queijo (que estava frio e duro, muito ruim e ainda me custou R$ 4) -, lavei o rosto e voltei para o ônibus. Dormi até chegar à Terra da Garoa e ser recebido por aquele adorável trânsito.
Desci no terminal Tietê às 7:40 de segunda-feira, dia 19. Peguei a mochila, achei um orelhão e liguei para o até então desconhecido Matheus Ortega, a quem tinha sido passada a ingrata tarefa de ser meu cicerone até a hora do embarque para Port-au-Prince. Já comecei bem, acordando o cara. Combinei com ele o lugar onde nos encontraríamos, peguei o metrô – abarrotado de gente – e desci na estação Praça da Árvore. Dois minutos depois, chega o Matheus, com a cara de quem tinha acabado de acordar e estava tentando disfarçar isso para não me deixar sem graça.
Passei o dia na casa dos Ortegas e tive a oportunidade de conversar um pouco mais com o Matheus. Poucas vezes na vida simpatizei tão rápido com uma pessoa. Em nossos curtos papos (afinal, estávamos os dois cansados e queríamos dormir), recebi do Matt diversas palavras importantes para minha vida, e acho que ele nem esperava isso. Uma coisa martelava insistentemente no meu coração, e com uma simples frase, o Matheus me ajudou a superá-la: “É, cara, o evangelho também é renúncia”. Pronto, simples e direto. De qualquer maneira, foi um dia muito agradável. Conheci sua mãe, seus irmãos e uma tia, todos igualmente simpáticos e gentis.


À noite, compramos os mantimentos para a viagem, arrumamos as malas e partimos para o aeroporto de Guarulhos. Lá, nos encontramos com o restante da equipe, 15 pessoas de lugares, igrejas e com funções sociais bem diferentes. Mesmo assim, a atmosfera era ótima. Todos sorriam, tendo a certeza de que os próximos dias seriam transformadores para todos.
Partimos para a praça de alimentação, onde tomei um delicioso sundae de chocolate enquanto os outros comiam coisas mais saudáveis (ou não) para aguentar a longa viagem de quase sete horas até o Panamá. Perto das três da manhã, fomos todos para a sala de embarque, prontos para virar haitianos durante sete dias. Às 03:50 da terça, dia 20, levantamos voo. Começava aí nossa breve e inesquecível viagem ao Haiti.

3 de maio de 2010

Haiti: Prólogo

Bom, como alguns podem saber, passei por uma incrível experiência no Haiti e pretendo compartilhá-la em detalhes por aqui. Ainda estou escrevendo os textos e espero que o caro leitor goste do que ler por aqui. Mas, acima de tudo, espero que o leitor se sinta tocado e decida ajudar de alguma maneira ao povo sofrido do Haiti. Em breve, a odisseia.

 É assim que o povo haitiano vive agora: em barracas de lona.