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23 de setembro de 2010

A Saúde na República das Bananas

Por meu pai ser servidor público federal, sempre tive plano de saúde. E é importante destacar que posso ser considerado um heavy user de plano de saúde. Tenho úlcera no duodeno, cinco graus de escoliose pra esquerda e constantes dores na lombar. Coisa de velho, eu sei. Pois bem, nos últimos três meses meu orçamento apertado não me permitiu mais pagar 190 reais por mês no meu plano de saúde. Assim, tive de entrar no nada seleto e gigantesco grupo dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde, o temido SUS.

Bom, pra você que não sabe, o primeiro passo para ser atendido pelo SUS em qualquer hospital público do país é este: vá até algum lugar designado pela secretaria municipal de Saúde com uma cópia de seus documentos e faça sua carteirinha. É uma carteirinha bem roots mesmo, de papelzinho e sem plástico. Depois que a sua carteirinha estiver pronta – depende de quantas pessoas estão fazendo isso ao mesmo tempo, a minha demorou uns 20 minutos -, o próximo passo é procurar um posto de saúde ou um hospital para conseguir uma consulta. Aí, amigo, a coisa começa a complicar.


Se você for a um posto de saúde (meu caso, mas em hospitais às vezes é até pior), prepare-se para dois cenários: ou você chega por volta de seis da manhã e consegue um lugar razoável na fila (note o uso de “razoável”, pois tem gente que chega na fila às quatro da matina), ou você vai a hora que der e desmarca os compromissos da semana toda. Ou ainda uma terceira hipótese: descole um contato quente no posto de saúde. Um médico amigo da família, aquele chefe dos enfermeiros que namora um primo seu, sei lá. Tendo o contato, as coisas ficam menos difíceis. Acordei às seis da manhã, cheguei no posto às sete e, olha que coisa linda, encontrei um médico que é da minha igreja. Pedi a ele a indicação para um exame, ele me deu e pensei “beleza, moleza”. Ledo e ivo engano. O exame que preciso fazer, uma ressonância magnética na bacia, só é marcado no primeiro dia útil de cada mês. Como em 1º de outubro estarei em viagem de lua de mel, só poderia marcá-lo no primeiro dia útil de novembro. Maravilha, não?

Agora fico imaginando a situação daquela senhora com reumatismo, gota e catarata que chega na fila às cinco da manhã apoiada numa bengala, fica três horas esperando ser atendida e tem seu exame marcado para dali a 20 dias. É fato conhecido e notório que o funcionalismo público no Brasil, de maneira geral, é uma vergonha. As pessoas atendem ao público como se estivessem prestando um grande favor à humanidade. Assim, o paciente que realmente precisa de atendimento fica à mercê da boa vontade de médicos, enfermeiros e auxiliares que trabalham de má-vontade.


Se o exame for um pouco mais “complicado” (leia-se “caro”), como uma ressonância magnética, uma tomografia ou algo semelhante, a burocracia é ainda maior. Ah, meu senhor, tem que pegar o laudo do médico, anexar ao pedido do exame, dar entrada no pedido e esperar até 60 dias úteis. E o pobre senhor, até lá, morreu. A saúde pública aqui na República das Bananas é uma vergonha completa. Depender do SUS é dar o primeiro passo para a morte.

6 de setembro de 2010

Caminho das Mãos Vazias

Tem gente que gosta de futebol. Todo o tempo livre que possui, reúne os amigos e vai jogar
uma pelada. Também gosto de bater uma bolinha com os parceiros, mas confesso que não levo
muito jeito para isso. De vez em quando faço um gol, acerto um bom passe e até driblo
alguém, mas no geral sou só mais um em campo. Tudo bem, isso não me incomoda. Nunca tive
pretensões de ser um jogador profissional, e para o meu lazer, minha habilidade (ou falta
dela) me basta. Conheço gente que é apaixonada por outros esportes, como corrida – um
vereador conhecido meu corre em média 12 km por dia, e ele tem quase 50 anos -, tênis e
basquete. Eu, porém, amo karatê.
O karatê é uma arte marcial desenvolvida no Japão no século XIX (mas que se tornou
reconhecido como arte marcial alguns anos antes da Segunda Guerra Mundial). O significado de
“karate-do”, o nome original da luta, é “caminha das mãos vazias”, mostrando que armas não
são necessárias para uma autodefesa eficiente. Baseado em socos, chutes e combinações disso
(envolvendo, ocasionalmente, joelhos e cotovelos), o karatê é a arte marcial com mais
adeptos no mundo, tendo na França seu maior expoente atual. Pode-se dizer que em
competições, a França está para o karatê assim como a Espanha está para o futebol.
Minha paixão por esta luta começou na minha infância, quando tinha oito anos. Um belo dia
estava indo para a escola quando um pivete tentou roubar meu precioso boné do Mario Bros.
Inocente, reagi, apanhando bastante do menino. Meu pai, revoltado com isto, me matriculou
numa academia de karatê do estilo kyokushin, considerado um dos mais brutos. O tempo passou
e, por circunstâncias diversas, acabei abandonando o esporte. Recentemente, porém, por
influência de amigos, resolvi voltar a treinar – desta vez em outro estilo, o tradicional
shotokan.


O que mais me atrai no karatê não é exatamente a parte visual, apesar de gostar muito desses
golpes mais elaborados, como chutes altos e as combinações de golpes. O que me interessa
mesmo é a parte “filosófica”, se podemos chamar assim. Disciplina, respeito, autocontrole,
tudo isso faz parte da arte marcial de forma tão profunda que é difícil separar um do outro.
E é isso que eu estava precisando, de algo que me desse segurança física suficiente para uma
emergência e também disciplina mental.
Muitos amigos meus questionam minha preferência pelo karatê, falando que outras formas de
luta (como muay thai e jiu jistsu) são muito mais eficientes para situações reais de briga.
Minha resposta é simples: nem todo mundo pratica uma arte marcial para brigar na rua. Aliás,
arrisco-me a dizer que uma minoria usa o que aprende para brigar. Meu compromisso com o
karatê é o do autoconhecimento e do autodesenvolvimento. Conhecer meus limites e batalhar
para superá-los, é isso que o karatê me ensina. E nas palavras do mestre Funakoshi, criador
do estilo Shotokan, “Alguém cujo espírito e força mental se fortaleceram através das lutas
com uma atitude de nunca desanimar não deve encontrar dificuldades em enfrentar nenhum
desafio, por maior que ele seja. Alguém que suportou longos anos de sofrimento físico e
agonia mental para aprender um soco ou um chute deve ter condições de encarar qualquer
tarefa, por mais difícil que ela seja, e de executá-la até o fim. Sem dúvida nenhuma, uma
pessoa com essas características aprendeu verdadeiramente o Karatê-Dô”.