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30 de julho de 2010

Sobre Rafael Mascarenhas e a Hipocrisia

Volta e meia somos bombardeados com notícias cujo único objetivo é o de nos comover. Foi assim com Isabela Nardoni, foi assim um pouco antes, com o menino João Hélio (aquele que foi arrastado por vários quilômetros pendurado em um carro) e parece que tem sido assim com a morte de Rafael Mascarenhas, filho da atriz/apresentadora Cissa Guimarães.
Não me entenda mal, deve ser uma coisa realmente triste perder um filho. Mas, ao contrário do que aconteceu nos casos anteriores, a morte de Rafael não foi nada assim de tão chocante. Foi um acidente de trânsito, coisa que acontece em qualquer cidade a qualquer hora do dia ou da noite. E como muitos acidentes, neste a vítima também teve sua parcela de culpa – o túnel estava fechado, ou seja, não se poderia passar por ele de forma alguma, nem de skate.
Assim sendo, qual o motivo de tamanha cobertura da mídia neste caso? Seria Cissa Guimarães uma pessoa assim tão querida do público que uma desgraça em sua vida interessaria às massas? Como disse antes, acidentes de trânsito acontecem dia e noite, com milhares de vítimas por ano. O filho da atriz/apresentadora foi apenas mais uma vítima. No entanto, fizeram uma passeata em homenagem ao garoto, com faixas o chamando de “anjo”.
Isso me lembra de uma cena do premiado filme “Tropa de Elite”. Em determinado momento, o aspirante André invade uma passeata feita em homenagem a duas pessoas mortas por traficantes – pessoas estas que eram diretamente ligadas ao tráfico de drogas, vale ressaltar – e bate em um jovem, que havia dito aos traficantes a localização de outro aspirante do BOPE, fazendo com que este fosse morto. O locutor da cena, o já lendário Capitão Nascimento, diz que ninguém faz passeata quando morre um policial cumprindo seu dever. Quando morre alguém abastado, no entanto, brada-se “paz” aos quatro cantos da Terra.
No mesmo período em que a mídia cobriu a morte de Rafael Mascarenhas, inclusive seu velório, seu enterro e a missa de sétimo dia, muitas pessoas morreram. Uma mulher foi morta com quatro tiros por seu ex-namorado doentio, no interior de São Paulo. Certamente muitas outras pessoas morreram no trânsito das grandes cidades. Dezenas de pessoas morreram em atentados no Oriente Médio. Caiu um avião no Paquistão, morreram 152 pessoas. Mesmo assim, só ouvimos falar do filho da Cissa Guimarães. Será que a Cissa Guimarães é tão queria assim? Haveria a mesma cobertura se morresse o filho da Joyce Ribeiro, apresentadora de um programa no SBT? Creio que não.
Não sou daqueles radicais que odeiam a Rede Globo, mas somos todos, em maior ou menor escala, reféns de sua hipócrita defesa à elite, especialmente a carioca. Pouco se ouve falar de desgraças ocorridas em outros estados, mas se algo de ruim acontece na zona sul do Rio de Janeiro, tenha certeza de que dois helicópteros, cinco repórteres e doze câmeras da emissora estarão lá para nos “informar” dos mínimos detalhes. O filho de um grande executivo da Rede Brasil Sul (RBS, afiliada da TV Globo nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul) está sendo acusado de estuprar uma menor de idade e eu fiquei sabendo disso pela Record, claro. A Globo nunca iria denunciar que alguém tão notório cometeu um crime. Mas o Rafael Mascarenhas, esse sim não sai do noticiário.

23 de julho de 2010

Velhos Tempos

Quando eu tinha oito anos de idade, a vida era boa. Treinava meu karatê descompromissado, ia para a escola, jogava videogame, assistia televisão e, de vez em quando, dava um passeio ou outro com meu pai. Não, quando eu tinha doze anos é que a vida era boa. Ia para a escola, assistia televisão, jogava videogame... Não, espera, quando eu tinha 15 anos é que a vida começou a ficar boa: comecei a sair à noite com meus primos e amigos mais velhos, aprender música, ver televisão, jogar videogame, escola. Dezoito anos. Com 18 anos é que a vida era boa. Faculdade, vida noturna intensa, banda, trabalho, televisão, videogame.
Uma tendência natural que nós, pessoas humanas (adoro esse pleonasmo), temos é o de achar que o que passou era melhor do que o que estamos fazendo/vivendo/presenciando. Quem nunca ouviu e/ou falou algo como “na minha época é que era bom”? Alguns, inclusive, dão aquela entonação arrogantemente superior a essa frase, como se o fato de alguma coisa ser nova já a desabonasse logo de cara. Música, cinema, arquitetura, comida e principalmente comportamento... Em tudo isso, é possível dizer que algo já foi melhor um dia.
"Na minha época é que os telefones eram bons"
Prestando atenção aqui e ali – este, aliás, é um passatempo que carrego comigo há muitos anos, o de identificar minúcias da vida alheia e tentar tirar algo interessante disso -, percebo que muita gente não consegue reconhecer os méritos de algo enquanto o está vivendo. A tendência natural é dar valor ao que já passou, pois já vimos seus prós, seus contras, suas consequências... Mas, ao fazer isso, abrimos mão do que pode ser até mais valioso do que o que já passou: aproveitar o passeio. Sabe aquela história de que o que vale na viagem não é a chegada, mas a própria viagem, o percurso? É isso.
Sentir saudade de boas experiências é normal e até saudável, arrisco. Prejudicial mesmo é deixar de aproveitar a vida por achar que nada nunca será tão bom quanto um dia foi. Um exemplo bobo disso aconteceu comigo. Adorava comprar roupas em uma loja. Quando essa loja fechou, me senti órfão. Um dia, resolvi entrar em outra porque gostei de alguma coisa na vitrine, mas bateu aquela sensação de que nada ali seria tão bom quanto era na outra. Fui embora sem comprar nada.
Quando eu era criança, a vida era boa. Claro que era. Não tinha preocupações além de tirar boas notas na escola. Na minha adolescência, a vida era muito boa. Conheci muita coisa nesse mundo e vi que nem tudo é o que parece ser. Quando virei adulto, a vida também era boa. Os cabelos estão indo embora, é verdade, mas a vida continua boa. Embora reconhecer isso durante a jornada seja um pouco complicado (outra especialidade deste que vos escreve é a de perceber mais o lado negativo do que o positivo das coisas), o negócio é continuar tentando prestar atenção na viagem e esquecer um pouco o resto.   

9 de julho de 2010

Sobre Bruno e o Cristianismo

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer algo importante aqui: esse texto não é, de forma alguma, sobre o goleiro Bruno. Ele será citado daqui a pouco? Sim, será. Mas o protagonista desta crônica não é o ex-guarda-redes do Flamengo. O verdadeiro foco aqui somos eu e você (talvez não nessa ordem) e o Cristianismo em que creio e procuro viver.
Um dos argumentos mais utilizados por quem critica o Cristianismo praticado hoje em dia é o de que se fala uma coisa, mas vive-se outra. O grande problema desse ponto de vista é a generalização. Conheço cristãos que se doam de tal maneira que dá até vergonha de ficar perto, como um pastor amigo meu que fez uma tremenda mobilização para arrecadar recursos para reconstruir igrejas no Haiti ou um músico, também amigo meu, que junta uma turma de amigos depois do futebolzinho e leva alimentos e cobertores para mendigos nas ruas. Existem as maçãs podres? Claro! Como em qualquer lugar, na igreja também há pessoas que fingem, mentem, fazem fofoca... É triste, mas é verdade.


E o que isso tem a ver com o caso do goleiro Bruno? Muita coisa. Se ele é culpado ou não, a justiça dirá. O que preocupa é o fato de que vemos pessoas que não são policiais, advogados ou juízes, e que já têm até a sentença do caso na ponta da língua. Simplificar o caso chamando o atleta de “monstro”, “assassino” e outros adjetivos amáveis do tipo é conveniente, pois nos dá a falsa sensação de que somos pessoas melhores que ele.
A Bíblia diz que nós não devemos julgar ninguém, pois seremos julgados com a mesma medida. Ao julgar Bruno, apontamos nele algo de perverso que existe em todos nós, sem exceção. A natureza do homem é corrompida, para usar uma palavra amena. Aí você pensa “eu nunca [e enche a boca para dizer o nunca, com ênfase] mataria uma pessoa” ou “eu nunca teria um filho fora do casamento” – se colocando na posição de ser superior e impecável. Sobre isso, a Bíblia dá uma aula de humildade: o apóstolo Paulo, autor de 13 livros do Novo Testamento, sujeito que foi perseguido, humilhado e preso por causa do Cristianismo, diz que ele era o pior dos pecadores. Se Paulo era o pior dos pecadores, o que sou eu, então? Tem que inventar uma nova categoria...
Ao julgar Bruno, temos a satisfação perversa de apontar o erro do outro, na esperança de que o nosso próprio seja esquecido. Talvez você realmente nunca chegue a matar alguém. Talvez você nunca seja infiel no casamento. Mas você poderia afirmar, com 100% de certeza, que nunca mataria alguém? Em uma situação de emergência, para proteger alguém da família, para salvar a própria vida, você afirma com certeza que não seria capaz de tirar a vida de alguma pessoa? Eu não conseguiria fazer tal afirmação. Não porque acredite que tenha tendências violentas ou algo do tipo, mas porque entendo que a maldade, infelizmente, é algo inerente ao ser humano, e que essa maldade pode, cedo ou tarde, vir à tona.

1 de julho de 2010

A Fonte Secou?

 O ruim de gostar de escrever – e querer viver disso – é que mais cedo ou mais tarde as ideias acabam. Talvez “acabar” não seja o termo exato. A figura que mais se aproxima do que quero dizer é a de uma torneira que, mesmo aberta, só libera poucas gotas de água. Os mais cultos chamariam isso de “bloqueio criativo”. Concordo com a definição. Parece que alguém pegou sua criatividade e deu um tapa na cara dela, ameaçando-a caso queira se manifestar novamente.
Há alguns anos, posso dizer que tinha bastante inspiração. Escrevi crônicas quase todos os dias (o que não quer dizer que elas eram boas, apenas que elas existiam). Hoje em dia, no entanto, simplesmente não funciona mais assim. Não tenho mais insights, não tenho mais ideias, não tenho mais nem vontade de sentar à frente do computador para escrever. Quer dizer, vontade eu tenho, e muita. Mas não rola.


Junte isso a um defeito praticamente incurável que carrego desde cedo – a competitividade extrema – e você tem aí a fórmula da frustração. Explicando: ao mesmo tempo em que não consigo achar inspiração suficiente para escrever bons textos e meu tão sonhado livro, vejo pessoas se dando muito bem justamente na área em que mais desejo crescer. E aí o ego fica balançado, mesmo a gente não querendo admitir. “Por que fulano está se dando bem desse jeito?”. E por aí vai. O que mais me aflige, no entanto, é a possibilidade de essa fase não ser um simples bloqueio criativo, e sim algo mais grave, como uma “esterilidade criativa”. E se esse monte de stress da vida adulta tiver simplesmente feito a fonte secar? E se eu virei escravo da rotina e não conseguir, nunca mais, criar nada de interessante? Reparando bem, nem um riffzinho de baixo eu fiz esse ano ainda... Socorro!